A cortar no farelo !
O estado de calamidade a que chegaram as finanças públicas, evidencia um governo desorientado, sem estratégia visível, e pior que tudo, limitado a agir de forma reactiva perante as ameaças que se perfilam no horizonte. Desde a percepção inicial da crise financeira e monetária, impunham-se um conjunto de medidas arrojadas, mas ao invés, o executico com a excepção nos aumentos dos impostos, preferiu dar um conjunto de sinais contraditórios. Entre outros, conta-se o novo estatuto da carreira docente - privilegiado em relação a outros congéneres dos servidores do Estado -, que ao orçamento superior a 7 000 milhões de euros para a educação, ainda obriga a acrescentar mais 410 milhões de euros anualmente; ou o apoio à Região Autónoma da Madeira em 740 milhões de euros num curto período de 4 anos, a par do lançamento de vultuosas obras públicas, e do atraso inexplicável quanto à total supressão do modelo ruinoso das actuais SCUTs. Como se tudo isto já não fosse penalizante para o desiquilíbrio das contas públicas, continua a assistir-se ao festim da acumulação de défices em muitas empresas do Estado, perante o já habitual encolher de ombros da tutela.
No universo autárquico, a constelação de empresas municipais tem a particularidade de na sua quase totalidade, apresentar cronicamente saldos negativos, mas por alguma razão de natureza metafísica, nenhuma destas é encerrada ou consegue sequer o equilíbrio das suas contas. Por outro lado em matéria de mordomias, seja na administração pública ou mesmo no universo empresarial do Estado, a resistência a qualquer emagrecimento é total; muitos dirigentes desses organismos acham-se no direito divino, de ter uma viatura exclusiva - entre outras benesses - à sua disposição, um caso só explicável pelo lema aristocrático do noblesse oblige! Quanto ao topo da estrutura, em particular os órgãos de soberania - veja-se o caso do Parlamento - apesar das muitas declarações piedosas dos seus titulares, na prática estes revelam o mais olímpico alheamento em matéria de auto-redução das despesas de funcionamento, certamente movidos por algum enigmático dever patriótico, que passa completamente despercebido ao comum dos mortais. A conclusão a tirar é a que, as reduções previstas nas despesas do Estado limitam-se a cortar no farelo da sua estrutura, e como tal são de eficácia muito limitada. A verdadeira "lipoaspiração" virá mais tarde, e certamente realizada por outros protagonistas.
[Texto publicado no jornal Público em 2010-05-30, e da autoria do responsável pelo blog ]