Sem recorrer a grandes prosas sobre o parlamentarismo em Portugal, bastará enumerar desde o final do século XIX até aos dia de hoje, o seguinte:
- Na 2.ª metade do século XIX já no ocaso da monarquia vigorou o Rotativismo, que se caraterizava pela alternância interminável e concertada entre o Partido Regenerador e o Partido Progressista. A política de Fontes Pereira de Melo, baseada no desenvolvimento acelerado do país recorrendo a empréstimos sem fim, conduziu à rotura financeira, este facto aliado à declaração do ultimato inglês degradaram completamente a situação política, económica e social. O poder legislativo cabia a duas Câmaras, ( a Câmara alta era a dos Senadores) sendo que ambas eram eleitas por sufrágio direto. A política de alianças partidárias provocou contínuas crises do governo, comprometendo definitivamente as relações deste com as Cortes, cujo desfecho obrigou a recorrer a sucessivos atos eleitorais. Com o esgotamento do regime monárquico, o inevitável acabou por acontecer, ou seja uma ditadura protagonizada por João Franco (chefe do governo) e uma oposição republicana, no seio da qual a fação mais radical conduziu ao assassinato do rei D. Carlos. em 1908.
- Após a implantação da 1.ª República (1910), o novo regime pode ser caraterizado pelo anticlericalismo militante, pela disseminação do ensino público e de igual modo pela participação forçada na 1ª Guerra Mundial, bem como pela mais absoluta instabilidade política. O poder legislativo era exercido pelo Congresso da República, formado pela câmara de Deputados e pelo Senado. O Presidente da República era eleito pelo Congresso e não dispunha de poder de dissolução, nem tão pouco de veto. Com o centro da vida política instalado no Parlamento e nos diretórios dos partidos, as crises surgiam como cogumelos numa floresta húmida. Em 16 anos de governos republicanos tivemos 7 parlamentos, 8 presidentes da república e imagine-se, 40 governos! Pontificaram o Partido Republicano Português, o Partido Evolucionista e o Partido Unionista e, para cúmulo nem estas designações se mantiveram estáveis, variando ao longo deste período. Não admira que o regime colapsasse por um golpe militar em 1926, encabeçado entre outros pelo general Gomes da Costa (militar do contingente português na 1.ª Guerra Mundial em França), que se permitiu entrar em Lisboa sem necessitar de disparar um único tiro!
- De 1926 a 1974 tivemos uma primeira fase em ditadura militar pura e dura e só a partir de 1933 com a aprovação da Constituição do Estado Novo imperou uma ditadura civil com suporte das forças armadas, cujas elites eram objeto de uma escolha muito seletiva. Num regime sem partidos ou de partido único, o papel fiscalizador do parlamento (designado por Assembleia Nacional à francesa) era meramente fictício e as suas funções destinavam-se a pouco mais que à elaboração de legislação, vigiar pelo cumprimento da Constituição, aprovar convenções internacionais, autorizar o governo a cobrar receitas e a pagar despesas. E nem o governo, nem o Presidente da República estavam sujeitos a votações na Assembleia Nacional.
De 1974 até aos dias de hoje vigora a Constituição de 1976, que entretanto já foi alvo de 7 revisões, sendo a mais substancial de todas, a 2.ª de 1982 e as restantes aconteceram por força dos tratados decorrentes da adesão à União Europeia. É comum classificar a constituição portuguesa de semipresidencialista, o que pode levar a pensar da existência de alguma semelhança, com a 5ª Republica Francesa, porém nada de mais falso. O Presidente da República não pode demitir o governo por falta de confiança política, mas somente para assegurar o normal funcionamento das instituições, ouvido previamente o Conselho de Estado. E mesmo para dissolver o parlamento tem fortes limitações temporais e circunstanciais, sendo obrigatório ouvir os partidos e o Conselho de Estado. E ao contrário do que acontece em França, só pode presidir ao Conselho de Ministros, só no caso do 1.º ministro lho solicitar, Por outro lado o veto político do Presidente é absoluto no caso dos diplomas do governo, mas é meramente relativo no caso dos diplomas da Assembleia da República, já que esta pode ultrapassá-lo através de uma maioria reforçada na Câmara. Para lá dos aspetos positivos inerentes da já mencionada 2.ª Revisão Constitucional, esta decididamente enveredou por uma tendência parlamentarizante, atirando para o limbo as preocupações iniciais, com os nefastos efeitos do parlamentarismo de assembleia da 1.º República.
Afinal com tamanhas restrições, para que serve eleger um Presidente da República através do voto direto? Para uma "magistratura de influência" de pouco mais que retórica, que nem influencia, nem governa.
Adotar um modelo constitucional baseado no parlamentarismo puro, ou predominantemente como tal, é mais que óbvio que em Portugal dá maus resultados e a história dos últimos 150 anos prova-o de forma consistente. O Parlamento tem uma importância crucial na fiscalização dos atos dos governos e na elaboração de legislação adequada ao tempo e circunstâncias.
Mas o mais caricato é designar este modelo de semipresidencialista, o que poderia levar a pensar qualquer um, que estaríamos em presença de um modelo semelhante ao françês da 5.ª República! Nada de mais inexato! Ou bem que se adota um modelo constitucional puramente parlamentar, sendo o chefe de estado eleito pelos deputados para um mero cargo de visibilidade, ou se assume um presidente da república com poderes efetivos, para traçar as grandes linhas de orientação, que o governo deverá enveredar.